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    Episódio 4: Especial Sucessão Familiar - Paulo Dancieri Parte 2

    Neste episódio do Minuto Agro, o Podcast do Agronegócio, em comemoração ao Mês dos Pais, vamos falar sobre um assunto bastante difundido no agronegócio, mas que ainda tem muito a ser discutido: a sucessão familiar. Participa deste episódio Paulo Dancieri Filho, ex-CEO da Coimma e atual CEO da BovExo, que vai falar um pouco do processo de sucessão dentro da companhia.

    Transcrição

    Aline Araújo: Bem-vindos a mais um episódio do Minuto Agro, é questionando que evoluímos, o podcast da Indigo. Eu sou Aline Araújo, da Indigo. Em agosto, estamos produzindo diversos conteúdos especiais para celebrar o Mês dos Pais e um deles foi um episódio do podcast falando sobre sucessão familiar no agronegócio, com Paulo Dancieri Filho. Em nossa conversa, falamos muito sobre os desafios da sucessão, da importância de uma doutrinação familiar, tanto para sucessores quanto para herdeiros, e também sobre vocação. Nosso papo foi tão interessante, que tivemos muitos assuntos a serem abordados ainda, e por isso estamos gravando uma parte 2 do podcast, especialmente pra você, que está nos ouvindo.

    Paulo Dancieri: Que bom que vocês gostaram, Aline. É um prazer estar de volta aqui pra falar de um assunto tão interessante e rico pra mim. Muito bom ter a oportunidade de continuar abordando os tópicos que estávamos falando, obrigado pelo convite de novo.

    Aline Araújo: Obrigada, você, Paulo, por ter topado fazer uma segunda parte com a gente. Vai ser muito boa nossa conversa.

    Aline Araújo: Agora, quero apresentar pra você que está nos ouvindo pela primeira vez um pouco sobre a Indigo. A Indigo nasceu em 2015, nos Estados Unidos, e foi considerada a mais bem-sucedida startup agrícola do mundo. Hoje possui operações em diversos países, estando presente em quase todos os continentes. Iniciou seu trabalho aqui no Brasil em 2018.

    Somos uma empresa de tecnologia, que desenvolve soluções para ajudar o produtor a aumentar sua produtividade e rentabilidade, através de práticas mais sustentáveis. Por aqui, a Indigo atua em duas frentes: Indigo Safra e Indigo Biológicos.

    As novidades não param de chegar e, em breve, novos produtos e serviços desembarcarão por aqui, trazendo ainda mais inovação ao agronegócio brasileiro.

    Aline Araújo: No episódio de hoje, vamos voltar a falar sobre um tema constante no cenário do agronegócio no Brasil, a sucessão familiar e seus desafios. Se ainda não ouviu, ouça a parte 1 deste episódio em nossas plataformas! Para conversar sobre o assunto com a gente, temos novamente nosso convidado especial, Paulo Dancieri Filho, hoje CEO da BovExo, empresa de tecnologia de precisão para pecuária e também ex-CEO da Coimma, empresa de troncos, balanças e tecnologia para o Agronegócio. Paulo foi sucessor na companhia de seu avô, sendo assim, da terceira geração. Bom, vamos lá?! Sejam muito bem-vindos ao Minuto Agro: é questionando que evoluímos!

    Aline Araújo: Existem muitas dificuldades no caminho da transição da segunda para a terceira geração, e até mesmo da terceira para a quarta geração. Você, Paulo, que é da terceira geração, passou seis anos ali ocupando o cargo de CEO dentro da Coimma, como que você, nesse período, transformou o gerenciamento, e conseguiu criar uma profissionalização em termos de sucessão dentro da empresa da sua família?

    Paulo Dancieri: Bom, eu Paulo não criei nada. Nós criamos, o time todo criou, muita gente boa na Coimma, muita gente boa. Gente boa que estava lá antes de eu chegar, muita gente boa, gente que trabalhou junto do meu avô, com meus pais e meus tios, muita gente boa.

    O que aconteceu foi o seguinte. Sobre o aspecto de profissionalização, nós conseguimos trazer gente de fora, gente boa de fora, gente que primeiro, conseguiu e está conseguindo contribuir com uma diversidade cultural, uma diversidade de skills dentro da empresa, principalmente na área de tecnologia. Então, eu vejo que, fiquei 12 anos na Coimma, vejo que quando eu entrei, era uma empresa tinha, sempre teve em seu DNA, a metal mecânica. Então, fazia tronco, balança, balança manual, então estava começando na época, a importar esse material, com as balanças eletrônicas, e eu saí da empresa, nós éramos uma empresa de equipamentos já de automação, já éramos uma empresa que produzia suas próprias balanças eletrônicos com a própria tecnologia, e já estávamos desenvolvendo IOT. E isso em termos de produto, em termos de processos, era uma empresa que vivia de heróis. Você tinha os grandes heróis dentro da empresa, os grandes gerentes que estavam lá há 20, 30 anos na área comercial, na área industrial, na área de logística, e se esse grande gerente tivesse uma gripe, a empresa PLÁ. Ficava com uma lacuna enorme. E a gente agora no final já estava implantando CMMI, que é um nível de maturidade de processos dentro da empresa. Em termos de velocidade, trabalhava a praticamente 100 metros, não tínhamos na época um NP. E eu saí da empresa estávamos com NP grande. Saí da empresa estávamos com a cultura ágil implantada. Então essa parte andou muito, em termos de desenvolvimento de produto, em termos de desenvolvimento de visão, em termos desenvolvimento de governança. E não vou falar em governança familiar, e sim governança corporativa mesmo.

    A mudança que a gente conseguiu imprimir na questão da cultura, com relação a, principalmente, aquela forte figura hierárquica piramidal das empresas mais tradicionais, que você tinha um cara lá na ponta que mandava e um monte de gente lá embaixo que obedecia. Então, um pouco da flexibilização dessa pirâmide, por um modelo de comitês, um modelo de grandes líderes dentro dos grandes projetos, isso foi sensacional dentro da empresa. Isso foi é muito legal, empresas crescendo... O ano passado, quando eu saí, nós estávamos crescendo 40%, esse ano a empresa continua crescendo, o agronegócio está indo superbem.

    Em termos já familiares, a gente não teve muita evolução, não mudou muito. Eu saí em novembro do ano passado da empresa, a minha posição, o que estava tudo definido, já tínhamos criado os conselhos, meu pai já estava junto com meus tios, estavam ocupando de uma certa forma, o conselho e etc. E eu saí da empresa e até hoje não tem alguém que ficou no meu lugar, nem profissional e nem da família.

    Eu trouxe um familiar na época, que é um primo, que era profissional, trabalhava em uma companhia grande, e veio para exercer uma função da empresa, ele continua na parte gerencial, na parte da gerência comercial da empresa. Mas, em termos de transformação de estratégia da empresa, de liderança estratégica da empresa, ainda não andou, e muito por causa disso.

    Uma saída que aconteceu de uma forma, digamos assim, não tão planejada, mas o que aconteceu foi que o meu pai que sempre esteve à frente da empresa, ele continua agora à frente da empresa, mas agora com um desafio maior, ele acabou campando a minha função, uma função mais estratégica da empresa. Então, em termos de sucessão familiar, digamos assim, ainda nada andou. Existem trabalhos que estão sendo desenvolvidos, que eu o que eu tenho conhecimento na empresa, alguns trabalhos estão sendo desenvolvidos para que isso ocorra, mas isso está ainda em processo.

    Aline Araújo: E o que motivou, depois aí, você já estava no cargo de CEO, seis anos como CEO da empresa, a empresa crescendo 40%, o que te motivou a sair?

    Paulo Dancieri: Eu acho que propósito, eu acho que algumas coisas motivaram. Primeiro propósito. Chegou um momento da minha vida que, da mesma forma lá no Mistério Público, que eu não me via mais como promotor de justiça, eu cheguei lá e não me via mais dentro de uma empresa familiar, aonde a visão de futuro não era uma visão homogênea.

    Eu tinha uma visão muito inovadora, eu tinha um desejo muito grande de transformação digital na empresa, muito, muito forte. Que isso é meu, é do Paulo, sempre fui, desde criança, um cara que gostava de novidade, inovação, acreditava em coisas que ainda estavam por vir... isso é uma coisa muito minha. Grande parte dos donos da empresa, dos sócios, que são as pessoas que determinam diretrizes da empresa, não tinham essa visão ou não compreendiam, não queriam, não desejavam. E aí chega um momento na vida que a gente tem que tomar uma decisão que seja boa pra todo mundo.

    Então, eu não poderia eu, ainda que CEO da empresa, impor a minha vontade, o meu desejo de evolução pro lado A ou lado B, eu não poderia fazer isso. A gente tem que ter responsabilidade, quando você está em um cargo deste, você é mandatário da vontade de quem é dono da empresa. E mesmo havendo os conselhos de família, os conselhos consultivos, esse processo nunca ficou muito claro. A vontade, pra onde o barco iria. Então, no dia a dia, eu tocava o bumbo de acordo com a marcha que eu imaginava que eu tinha que tocar, me reportando ao conselho e tudo mais, mas aquilo não estava muito claro. Chegou um momento, lá na empresa, que eu tinha um desejo muito grande de fazer o que a gente chama de SpinOff né, da gente criar um braço tecnológico da Coimma, onde a gente fosse trabalhar em um ambiente muito mais rápido, muito mais flexível, parecido com o ambiente de startups, aonde você pode errar logo e já corrigir, voar, que pra mim é um dos pontos, talvez, de maior vantagem competitiva das startups versos as empresas incumbentes. Isso nunca foi aprovado pela empresa, por falta de vontade, por falta de conhecimento, por falta de confiança, enfim, não sei por quais razões, talvez por todas. E chegou um momento da empresa em que eu falei, isso em 2018, “Olha, eu tenho essa visão, quero criar aqui uma empresa de software e tecnologia, nada a ver com que a gente fazia lá, que era uma empresa de máquinas de balança, então eu acho que a gente precisava fazer isso”. E então, eu falei que iria fazer. E sobre algumas pessoas apoiando, outras criticando e brigando, enfim, e eu como o empreendedor e como pessoa que acredita no meu íntimo, falei: vou fazer. Acho que, o líder da empresa, se ele for se preocupar com cara feia, ele não faz nada. E aí, eu acabei fundando a empresa, obviamente sob conhecimento de todo mundo, convidei até a própria empresa para participar societariamente do negócio, eles não desejaram. E eu fundei a empresa, e aí mais agora pro final do ano passado, a empresa ainda estava desenvolvendo produto, então não me demandava muito tempo, com relação à liderança e desenvolvimento da empresa. Chegou no ano passado, existiam alguns pontos que eu queria colocar pra dentro da empresa, que acabaram não sendo aprovados, e a gente acabou se distanciando um pouco, familiarmente falando. Não do meu pai, que isso foi um trato que eu fiz pra mim mesmo, um juramento que eu fiz pra mim mesmo, que independente, acontecesse o que acontecesse, eu não ia me afastar do meu pai, e hoje a nossa relação é melhor ainda, sempre fui muito próximo do meu pai, e mesmo a gente se divergindo em uma série de coisas dentro da empresa, a nossa relação nunca se afetou.

    Mas com relação aos demais familiares, a relação não estava muito clara, não estava muito legal. E isso poderia colocar em risco o crescimento da empresa. Quase que a gente ia criar duas Coimmas lá dentro, uma Coimma que tinha uma visão pra direita e a Coimma que tinha visão para a esquerda, não tinha certo e nem errado, mas a empresa começou a ter duas visões. E aí, nesse momento, eu falei, “olha gente, eu vou tirar meu time de campo, e aí vocês fazem da forma como vocês preferirem”. E foi a melhor coisa que eu fiz na minha vida. A minha empresa está crescendo pra caramba, está dando supercerto as coisas lá, eu estou superfeliz com meu negócio, estou fazendo do jeito que eu acho que tem que ser feito, com sócio profissional, aonde sai as emoções e entra a admiração societária, que é maravilhosa.

    Aline Araújo: E na sua opinião, quais são as oportunidades e desafios da gestão e sucessão no agronegócio?

    Paulo Dancieri: Olha, eu acho que a oportunidade de, você fala oportunidade na sucessão, você nascer numa, eu dei uma entrevista essa semana pra uma revista sobre isso, e eu vou repetir o que eu falei lá: você nascer numa família empresária, vamos combinar, é uma superoportunidade. Imagina quantos contextos que você pode nascer e você nascer em uma família onde tem oportunidade de aprender sobre negócio, geração de riqueza, transformação de riqueza, materialização de sonhos, é uma superoportunidade. Então, o simples fato de você poder ter nascido ali, eu acho que é privilégio de poucos. Muita gente trata isso como mal, como uma desgraça familiar, não é nada disso, assuma essa oportunidade. E aí a questão é de como você vai poder desenvolver essa sorte, digamos assim, essa graça que você teve de estar inserido nesse contexto. Então, eu acho que existe uma oportunidade muito grande de você poder aprender sobre o mundo de geração de riqueza, de geração de, nosso caso, por exemplo, uma empresa que estava ligada ao agro. Você quer coisa mais rica que é você poder contribuir com a produção de alimentos no mundo que passa fome?

    Estamos agora com um percentual de fome aguda, aumentou substancialmente nos últimos dois anos no mundo, um milhão e meio de pessoas, um bilhão e meio de pessoas passando fome, de 890 milhões para um bilhão e meio passando fome. Você quer coisa mais legal que isso, mais nobre. Então você tem uma superoportunidade.

    Do outro lado, o desafio é esse que eu contei pra você, acho que são esses alguns dos desafios, você poder, você conseguir, de uma certa forma, ter ou desenvolver lucidez pra saber qual é o teu papel, qual o teu lugar, como diz o ditado, qual que é o teu lugar na fila do pão?
    Aonde eu posso contribuir, e aonde eu não devo me meter? Eu acho que esse é ponto, que um bom herdeiro hoje, não vou nem dizer sucessor, um bom herdeiro hoje tem a possibilidade, ainda mais nesse mundo de transformação, de MNA, de grandes corporações com branco, comprando parte de empresas, com capital transbordando pra fazer as empresas que têm potencial crescer. Você imagina, na época do meu pai, do meu avô, não tinha isso. Um monte empresa de MNA, um monte de fundo de investimento, pra ganhar venture capture... ninguém sabia o que era venture capture. Gente dando dinheiro a rodo para fazer você crescer. Hoje você tem uma oportunidade enorme, um dinheiro com pouco risco, ou dinheiro com muito risco, que seja, mas um dinheiro disponível pra você poder crescer, você tem tecnologia, a informação hoje ela não custa mais nada, ela está absolutamente aberta, disponível.

    A demanda é gigantesca, pra uma série de coisas. Você tem uma ideia, você materializa essa ideia, você ganha dinheiro com isso. Quer dizer, o ponto é, o grande desafio é: qual é o meu papel nisso tudo, como eu consigo contribuir.

    Agora volto dizer novamente, não tem como vocês, e isso é pedir demais, pra uma criança, um jovem, um adolescente ter desperto dentro de si essa consciência toda se ela não foi educada, se ela não foi educada tecnicamente, se ela não foi educada de uma forma a exercer a sua inteligência emocional, as suas habilidades, e principalmente se ela não foi educado com relação as emoções, como é que você lida com família, um parente, um negócio. Acho que é isso.

    Aline Araújo: A gente falou bastante aqui sobre a ótica da próxima geração, do herdeiro e do sucessor. Pensando na ótica de quem hoje administra a empresa e precisa preparar a sucessão, pensar e preparar a sucessão para a próxima geração, quais são os desafios da pessoa que está nessa posição hoje dentro do agronegócio?

    Paulo Dancieri: Eu acho que os desafios passam também por um bom aspecto da pessoa, ela precisa se auto conhecer. Uma empresa, ela é sempre maior do que qualquer uma, ou até de todas as pessoas que a acompanham. A empresa, sempre digo isso, uma marca, uma empresa, ela é maior do que qualquer pessoa que esteja lá dentro. Então, acho que o líder precisa ter esse conhecimento, que ele não fez a empresa pra ele, que a empresa não é dele. A menos que seja empresa dele, aí não é família né, que seja dele a empresa, a menos que seja assim, a empresa não é dele. Ele é sócio, então esse princípio da alteridade, princípio de que meu dólar vale o dólar do outro, e nesse sentido eu preciso aprender a respeitar. E aí, com relação a futuro, ter o discernimento de que sozinho não vai ao futuro. E aí ter a lucidez de desenhar quais são as regras que tenham a cara daquela família, porque também é muito importante o desenvolvimento de uma cultura familiar organizacional, cultura empresária familiar que eu costumo dizer, tem que ter uma forma de desenhar uma cultura que tenha Fit com os donos da empresa, não adianta também você criar uma cultura, a família tem uma visão pro lado A e você traz um método pro lado B. Embora possa vir a ser absolutamente bem-sucedido, não tem nada a ver com a família. Isso vai trazer um desgaste muito grande em conselho, desgaste muito grande com seus sócios, então tem que ter um Fit cultural. Então, eu acho que assim, o líder tem que ter essa sensibilidade de entender de um lado qual é a carona, a cultura, os valores maiores, valores. Quais são os valores dessa família e dessa empresa, e aí você trazer habilidade e competência, que é o composto todo, você trazer as competências necessárias para que você consiga, de uma forma mensurável, verificável, reputável, portável, que a gente fala, de forma objetiva, entregar os objetivos econômicos da empresa, dentro daquela cultura familiar.

    Pra isso, não tem espaço pra ego. O ego tem que ficar um pouco de lado, não tem jeito. Ego é bem complicado, desconfiança é um outro problema muito sério, você confiar não confiando o tempo todo, não saber delegar, a não passagem do bastão. Quando eu falo não passagem do bastão, não é a passagem formal do bastão, é a passagem de fato do bastão, é a passagem aonde o proprietário, o atual líder, o membro da atual geração, passa de uma forma legítima, e não estou falando, morrendo de vontade de passar, mas passa de uma forma legítima. “Olha, eu compreendo profundamente que o melhor pra minha empresa é esse caminho aqui”. Ora, eu não vou abandonar a minha empresa. E outra coisa que é importante, a percepção de que, não necessariamente você precisa continuar liderando o seu negócio lá dentro como presidente, como CEO da empresa, sei lá, pra que você possa continuar contribuindo. Pelo contrário, a função de um membro do Conselho de administração, do presidente de um conselho de administração, é absolutamente importante. Porque a função que vai dar norte, vai dar luz ao futuro CEO da empresa, seja ele da família, seja ele de fora. O futuro CEO da empresa, principalmente se for um CEO de fora, o atual gestor chega e diz: eu vou trazer um novo CEO, um mais jovem, com uma visão virada para este lado, que entenda e compreenda melhor esse mundo, compreenda melhor nossos clientes de hoje, do futuro. Eu, hoje, não compreendo mais, eu entendia dos pecuaristas lá da década de 60, não entendo mais o pecuarista aqui que tem escritório na Faria Lima, que fala em Blockchain, como é que eu vou conseguir compreender um desafio para desenvolver um produto nesse sentido?

    Então, eu trago um cara de fora, esse cara de fora, ele precisa, ele necessita, eu sei porque eu fui seis anos CEO de uma empresa, sou CEO da empresa que eu fundei e tenho, graças a Deus, um sócio ótimo e um conselho forte. Eu preciso desses caras me aconselhando, me ajudando. Então, a função do cara que está lá é ser um bom membro de conselho, presidente ou não, de conselho de administração, porque ele que vai primeiro aparar as arestas, ou aparar as asinhas, digamos assim, eventualmente, do CEO, vai trazer toda a experiência, reafirmar a cultura familiar, então ele pode contribuir maravilhosamente bem. Mas pra isso, a pessoa precisa ter desapego, desapego do cargo, tem que ter apego ao papel. “Qual é meu papel?”, “Meu papel é importante?” Se ele vai ser na função de presidente ou na função de conselho da empresa, aonde eu posso contribuir mais? Ah, chegou a hora de contribuir agora, sentado nesta cadeira, não naquela. Pronto, acho que isso também é muito importante.

    Aline Araújo: E como que você vê o processo de sucessão, ele tem sido tão rápido como se pensava no passado ou ainda tem uma geração para alcançar a velocidade e nível de profissionalização que se espera?

    Paulo Dancieri: Você fala em geral, nas empresas, ou na empresa da minha família?

    Aline Araújo: Em geral, no agronegócio.

    Paulo Dancieri: Eu acho que o processo de sucessão familiar é muito lento, e ainda continua muito lento. E são estatísticas, são números. Você brincou agora da dificuldade, de chegar na terceira geração e depois de chegar na quarta geração. Olha, eu não sei, mas sinceramente se você chegou na terceira geração, se você sucedeu a terceira geração de uma forma bem-sucedida, eu acredito que seja até mais fácil suceder pra quarta, sabia? Por algumas razões, acho que pelo aspecto educacional que eu te falei. O meu pai, infelizmente, não tinha educação, nem formal nem profissional nem familiar, que eu tenho hoje. Então, eu acho que, quando, se eu tivesse inserido na empresa, continuasse inserido na empresa, acho que tem um potencial de educar, já está educando seus filhos de uma forma diferente. Os que vão suceder ou herdar a quarta, não sei. E outra coisa, de outro lado, essa nova geração, a geração dos meus filhos e que seriam os meus sobrinhos, a próxima geração, vamos chamar a quarta geração, também já é uma geração que é movida por outros propósitos. Então assim, você percebe que essa geração é uma geração que já está muito mais voltada a compreender suas vocações, entender qual que é o seu papel no mundo, de relevância, que não necessariamente é de você ir lá e trabalhar por trabalhar, porque é uma obrigação, porque tem que gerar dinheiro. Não, é trabalhar com o propósito, uma causa que não necessariamente esta inserido dentro do contexto econômico de business da família. Então, eu acho que fica mais fácil, Aline, sinceramente, eu acho que daqui pra lá talvez seja um desafio, não tão grande. Agora tem muita empresa que está travada na segunda e na terceira geração e é um embrólio. E mesmo trazendo consultoria, e mesmo trazendo tudo, se a empresa, se a família não tiver esse desapego, se a família não tiver esse relacionamento, não tiver essa admiração, volto a dizer, admiração recíproca, é muito complicado. Você pode chamar todo mundo, você pode chamar a melhor empresa de consultoria, eles vão ajudar, vai melhorar, vai andar. Não tem como você fazer, é muito difícil você fazer na unha sem uma ajuda externa, isso é muito difícil. Tem muita gente boa que pode ajudar, e ajuda lá, ajudou, não está o ideal, mas ajudou. Se não tivesse feito acordos, um tio que faleceu, e foi uma benção a intervenção das consultorias na época.

    Mas a coisa não é do tempo que a gente imagina, se a gente já sabe que consultoria em geral toma mais tempo e escopo do que aquilo que a gente definiu, quando a gente fala de uma consultoria ou de um processo de família, é muito vai e volta. E aí a gente que é CEO, que é executivo, a gente que é agitado, a gente fica maluco com isso, porque a gente é acostumado a colocar um cronograma de atividades que tem começo, meio e fim e começa explodir o escopo, a gente começa a ficar doido!

    Mas não tem jeito, tem que ter paciência, tem que ter energia, tem que ter tranquilidade e tem que ter decisão. Eu acho, por exemplo, no meu caso, a coisa não andou da forma como eu desejava, claro, não no curto prazo, não foi uma coisa que não deu certo em um mês, um ano, foram 12 anos, então chega um momento na sua vida que você fala, poxa, se a coisa não vai de acordo com o que você deseja, vai buscar seu negócio, o que você acha que é legal! E eu acho que essa autoconsciência das pessoas que são relevantes no negócio, que estão a frente do negócio também é algo importante. Porque, eventualmente, se a pessoa não tem esse discernimento, e ela continua inserido em um ambiente, ela pode tornar esse ambiente num ambiente tóxico. Ela pode se intoxicar com esse ambiente e, de fato, a empresa pode começar a perder performance.

    Aline Araújo: E pensando, Paulo, você trouxe bastante sobre, falar sobre capacitação, preparação vocação, como que a gente faz, qual é o papel hoje do produtor rural, do empresário, que tem o desafio de fazer a sucessão da empresa dele para um filho. Como atrair os mais jovens, despertar o interesse deles para que sucessão seja relevante e bem-sucedida?

    Paulo Dancieri: Bom, eu não sou adepto da tese de que o pai ou o atual gestor tem que despertar o interesse do filho pra fazer aquilo que ele faz, eu não penso assim. Eu acho que isso é um problema, acho que tem dois extremos: um extremo do pai embute, coloca essa semente de forma muito forte na cabeça dos filhos, de que o lugar dele vai ser aquele, o seu lugar vai ser aqui, o seu lugar... Isso começa a poder causar um problema muito sério, porque chega lá na frente, se ele não tem vocação e não quer fazer isso, não é bom pra isso, mas isso ficou na cabeça do cara e ele entra e da errado. Então, esse lado. E eu também não sou favorável aquele outro extremo, do tipo, poxa, eu estou aqui, mas eu não que meu filho venha aqui porque não quero misturar família e negócio, vai dar problema societário lá na frente com cunhado, irmão e tal, então vai fazer outra coisa, pense em tudo menos isso. Sabe os extremos? Aquela história, filho de bêbado ou é bêbado ou tem raiva de bêbado. Eu sou contra esses dois extremos. Eu acho que o que o atual empresário, o cara que está à frente do negócio, que vai ter filhos, o que ele deveria fazer, o que eu acho que eu farei quando filho tiver, e já falo por quê? Porque eu já desenhei isso no meu acordo de acionistas antes de ter filho. Não tenho filho ainda, mas eu já desenhei isso com meus sócios que têm filho, já deixei desenhado isso, é assim: meu filho nasceu, eu vou tentar educá-lo para que ele tenha conhecimento e educação do que eu faço. Ele precisa saber o que eu faço, então eu vou convidá-lo para conhecer se ele tiver, na medida do interesse dele, se eu puder educar sobre o que eu faço, sobre a minha atividade e ele se sentir inspirado, se sentir orgulhoso, se ele achar que isso é legal, ele acha que isso está dentro da vocação dele, ótimo. O que eu vou fazer é prover tudo que eu tiver para fazer com que ele se desenvolva na área que ele quiser. Se for na minha área, na área que vai contribuir com meu negócio, que a gente puder trabalhar juntos, que a gente tem um Fit, que aí entra outro ponto, como é o relacionamento com o seu filho, tem pessoas que ambas se respeitam mas não dão certo trabalhando junto, que não são muito parecidos. Então tem tudo isso.

    Se nós chegarmos à conclusão que tem um Fit, eu vou fazer meu filho se prepare pra isso. Toda educação que ele vai ter que ter, formal, e toda a consciência de qual vai ser seu papel e quais vão ser os desafios dele para que ele possa galgar o cargo dele. Porque não é assim, olha agora vem trabalhar comigo, não meu amigo, a hora que tiver a vaga na função X, nós vamos abrir um processo seletivo e você vai participar do processo. Entendeu? Tomara que você seja o melhor, porque se você não for, você não vai entrar. E se você não entender isso, você não tinha a mínima condição de trabalhar em uma empresa que um dia vai ser sua, porque você vai sofrer quando tiver lá na frente, você vai precisar de cara bom aqui. Ou você vai transformar sua empresa em empresa de cabide de emprego? Agora, por outro lado, se o meu filho não despertar essa vontade, embora eu tenha proporcionado a ele um ambiente, o meu filho ou minha filha, eu proporcionar um ambiente a eles de conhecer, eu volto a dizer, você não conhece aquilo que você não ama, e ele fala que não tem nada a ver comigo, meu amigo, me fala e vai buscar aquilo que te faz feliz! Porque na medida em que a pessoa vai buscar aquilo que ela é feliz, volto a dizer que ela tem grandes chances de ser bem-sucedida profissionalmente. E tem grande chance de ser um super herdeiro, você concorda comigo? O cara descobriu que ele queria ser artista plástico, que queria pintar quadro, cara, o cara vai pintar o quadro dele, ele vai ser habilidoso, se ele vai ganhar bastante, se vai ganhar mal, claro, tem que ter consciência também de que ninguém vive de amor em uma cabana, a pessoa precisa saber que ela vai ter que trazer um dinheiro pra dentro dela, trazer um ganho que vai sustentar os objetivos de consumo dela. Agora, nada mais que isso. Agora, se ela está desenvolvendo e ela está feliz, você concorda que não vai ficar implicando assim, vai ter parente, outro parente aqui, primos, tios? Não, ela vai ser desenvolvida e ela vai ter todas as chances do mundo, até porque conheceu em algum momento o meu negócio, de ser um super herdeiro, de sentar num conselho de Next Generation com a cabeça super Easy Going da vida, porque está super feliz com o que faz, contribuindo de uma forma, diversidade no processo, compreendendo e respeitando também quem está feliz na administração e gestão e, principalmente, não enchendo o saco. Gente feliz não enche o saco.

    Aline Araújo: Não mesmo, ótimo! Paulo, a gente está chegando no final desse papo aqui, que poderia render horas e horas de conversa. E aí, uma última pergunta é: qual é a mensagem que você deixa pro produtor rural, que está ouvindo a gente, que tem um negócio, que tem aqui tem a terra dele, que é, de fato ali, na primeira geração ainda e não é uma grande empresa, é uma fazenda que ele está administrando e que ele chega no momento de parar pra pensar no momento da sucessão. Quais são as dicas, as recomendações que você quer deixar para esse produtor que está nos ouvindo?

    Paulo Dancieri: Aline, acho que é assim, a mensagem que eu deixaria pro produtor rural é a mensagem que eu deixaria pra qualquer pessoa que tenha qualquer negócio, tá?

    Então, a primeira mensagem é: bom, produtor rural, o seu negócio não difere de uma banca de alface na feira e nem de uma indústria siderúrgica, nem de uma empresa de tecnologia, em qualquer lugar do mundo. Você tem uma empresa na sua mão e as premissas que você deve seguir são as premissas de que você é um empresário. Empresário no sentido mais amplo do termo e ainda por cima em num momento em que, para o Brasil, a sua atividade passa a ser mais relevante para a nossa nação, principalmente com relação a contribuição do PIB, propósito de produção de alimento. Então, você tem nas mãos um tesouro, o cara que tem terra no Brasil hoje, produtiva, tem tesouros, da qual o mundo precisa, e você tem uma obrigação enquanto dono e cidadão brasileiro, enquanto produtor de alimentos, de fazer com que a sua empresa cresça, na medida do possível. E pra isso, você precisa trazer primeiro conhecimento, não existe evolução, desenvolvimento, crescimento, sem conhecimento. O conhecimento vem de abrir a cabeça e começar a descobrir coisas que talvez você não imagina que existam. Então, conhecimento com relação a como lidar com pessoas, como lidar com seus funcionários, com seu gerente ou com seu peão, com seu consultor. Conhecimento com relação aonde a sua terra pode te entregar coisas que você não está conseguindo enxergar. Quais pontos percentuais que você precisa corrigir em seus aspectos produtivos, como que a tecnologia pode vir a te ajudar, como que você pode ter auxílio para poder pensar de forma menos enviesada, esse é um termo que eu gosto de falar muito também, nós seres humanos, nós trabalhamos, a gente toma muita decisão em cima dos nossos viesses cognitivos, que são atalhos mentais que poupam energia no processo de tomada de decisão, isso é bom porque poupa do de um lado do nosso cérebro, mas é ruim porque acaba colocando a gente nas decisões não necessariamente as melhores decisões. E quando a gente fala de agricultura, quando a gente fala da pecuária, a gente tem o tema da agricultura e pecuária de precisão, que vem, de fato, referendar que a atenção detalhada para alguns pontos percentuais faz toda a diferença na sua margem de lucro. Então, começa a entender que não é porque, o que o que trouxe até aqui não necessariamente vai te levar ao futuro, começa a entender que a sua terra não é apenas Real State, não fique apenas se vangloriando que você tem um negócio que a cada ano valoriza um hectare. Não, você tem que ter produtividade, e produtividade sustentável. Não existe mais produtividade sem sustentabilidade no Triple Bottom Line, que a gente chama, que está famoso de se dizer hoje, no ESG, no Environment, Social and Corporate Governance, esses pilares da sustentabilidade. Acredite, isso não é frescura. Isso não é mimimi e nem vai ser, nem espere que isso te traga pontos percentuais na sua margem, que na verdade isso vai ser, é regra de jogo. Porque o Brasil não produz mais alimentos do Brasil, Brasil produzir alimento pro mundo já há muito tempo. E por uma série de razões nós precisamos produzir de uma forma sustentável e sob esse aspecto, que eu gosto de dizer sobre ESG e etc, acreditem: ser sustentável e ter políticas ESG bem definidas. Não é perfumaria, né? São políticas de processos ESG: dá mais lucro, não o inverso. Tem gente que acha que é gastar dinheiro à toa. É exatamente ao contrário. Ao otimizar o seu processo de tomada de decisão, ao otimizar sua produtividade e ao trabalhar bem o seu solo, você está automaticamente sendo sustentável e automaticamente multiplicando sua margem. Agora, para tudo isso, para a gente dar o fecho com relação à questão sucessória familiar, entenda que você tem o desafio de educar a sua geração, como você já tem esse desafio de educar essa geração para qualquer outro aspecto da vida dos seus filhos, sobrinhos e etc, para que eles consigam compreender qual o papel ou quais os papeis que eles precisam desenvolver para que, no futuro, o seu negócio seja um negócio que gere riqueza também para a próxima família, que vem aí pela frente. E aí, o seu sucessor, seu herdeiro pode ou não ser um sucessor, isso vai depender de como ele foi educado, isso vai depender de qual admiração que ele tem pelo teu trabalho, então você começa a entender que hoje, hoje, você já está, na verdade, ajudando, contribuindo para o futuro desenvolvimento do teu filho.

    Como você se porta hoje na sua atividade, o que que você faz hoje, se isso vai despertar admiração e inspiração no seu filho, vai depender de você. Se ele vai querer seus caminhos, acredite, muito vai ser da forma como ele vai ver você acordando e indo dormir todo dia com relação ao seu negócio, como você vai tratar a terra, como você vai tratar as pessoas e como você vai tratar o planeta. Porque essa geração que vem hoje, me desculpe, não vai conseguir mais achar bacana, achar legal um pai que vai lá na fazenda e desmata a fazenda inteira, passa por cima de reserva legal, toca fogo em tudo porque acha que o pasto vai nascer mais bonito, porque ele tocou fogo em tudo. Desculpa, eu já achava ruim na minha geração, meu filho vai, se ele me visse fazer um troço desse, entrar em uma fazenda tocando fogo e derrubando mato e etc, ele ia olhar pra mim e falar assim: meu pai, você é uma decepção pra mim, vou fazer tudo, menos trabalhar com você na fazenda.

    Aline Araújo: É, sustentabilidade não é uma tendência, é uma realidade. E de tudo que você a gente conversou aqui hoje, Paulo, o que fica pra mim é que o processo de sucessão, ele não começa no momento em que o gestor começa a pensar em aposentadoria, mais sim desde o momento em que você forma uma família e quer que, de fato, essas pessoas participem de alguma forma do negócio. Muito bom o nosso papo, Paulo!

    Paulo Dancieri: Que bom, Aline. Que bom que você gostou, também adorei, estou super à disposição, super sucesso pra vocês aí na empresa, na Indigo e no podcast. É uma enorme contribuição que vocês estão dando para a sociedade em geral, para o pessoal do agro, para os gestores, para os filhos. Espero que vocês continuem aí, voando e crescendo no podcast e um super prazer poder falar com vocês aí. E estou super a disposição tantas vezes quanto vocês precisarem.

    Aline Araújo: Muito obrigada. Esse foi o nosso episódio do Minuto Agro. Espero que você tenha gostado. Obrigada, você, ouvinte por nos acompanhar até aqui e obrigada pela sua participação, Paulo, nossa conversa foi ótima!

    Esse episódio teve produção e colaboração técnica de roteiro e pauta do super time de comunicação da Indigo. Nos siga em todas as plataformas digitais para não perder nenhum episódio.

    Terminamos aqui mais um podcast Minuto Agro. Esperamos você no próximo